Morte e Vida , Gustav Klimt, 1916, Viena
Nessas últimas semanas, tenho rodado pela crítica – famosa sala vermelha -
e apesar de ter desafios de técnica médica de aprendizagem, o que mais tem
deixado à flor da pele têm sido os dilemas éticos e morais.
Quando você se depara diante de uma situação de alguém com idade avançada
e saúde frágil é até relativamente mais fácil de se pensar em final de vida, de
se pensar em como conduzir o caso e de como conversar com a família. Porém, quando chegam os meio termos, não tão
velho, mas nem tão novo, alguém sem doença terminal ou estágio avançado de
algum insulto agudo, e, você e confrontado a conversar com a família sobre
cuidados paliativos, aí sim a razão abala.
Nessa semana, vi uma senhora que até um mês estava andando e falante, e
de repente, na nossa maca, estava com fácies de morte – boca aberta, olhos
semicerrados, sem se mexer, semiconsciente. Tem 7 filhas e 3 filhos. As filhas
dão mais trabalho que a própria paciente.
Nesse mesmo tempo, um homem de cerca de 45 anos, após acidente de moto x caminhão,
evoluiu para morte encefálica. Foi uma guerra conseguir passar por todos os
protocolos, e no dia que tudo ocorreu burocraticamente correto, aos 45 do segundo
tempo, a família negou qualquer possibilidade de doação de órgãos. Estava no
segundo dia com o paciente. Não tinha realizado sua admissão, não tinha
realizado nenhum teste de morte encefálica, não tinha meu carimbo vinculado ao
homem. Todavia, como ficou comigo sua evolução do dia do último exame (uma
arteriografia realizada externamente) e da negação da família para a doação de órgãos,
eu tive que ser a pessoa a dar a ordem de desligar os aparelhos, as bombas e o
ventilador. Eu matei a vida artificial de um morto.
Durante o almoço, antes de dar essa ordem, tive um episódio de ansiedade-
famosa vontade de chorar, aperto no peito e respiração rápida; foi breve; mas
foi. Esse dia me atolaram de burocracia, relatório para o IML, além de
pendência de outros pacientes, da demanda da família da doninha meio termo e da
demanda da doninha em fase terminal – parece que eles combinarem de vir para
crítica juntos- então, no único momento que eu pude pensar, que foi esse no meu
almoço, eu me senti gente, senti angústia, senti até certo grau de injustiça,
pois o problema do homem foi dado para ser resolvido, contudo ele foi conduzido todo
esse tempo por outras pessoas que estavam lá. Na hora de desligar as coisas foi
muito mais sem emoção que imaginei. Foi uma simples ordem: “vamos desligar os
aparelhos e ajeitar o corpo do fulano que vai para o IML”. Fim. Para as
enfermeiras então, tiravam os acessos e continuavam conversando da vida comum
de casa. Para mim, uma novidade, para elas, mais um acesso que o médico mandou
tirar.
