Velhas histórias

sábado, 11 de maio de 2024

LETÍCIA

   

The Laughing Fool, 1500, Jacob Cornelisz van Oostsanen


     

Hoje durante uma corrida eu pensei em começar esse texto de diversas formas. A que eu mais gostei foi: já que eu não posso pagar psicóloga vou escrever aqui pra ver se ajusta alguma coisa na cachola.

            Ontem tive um conflito comigo mesmo: até quanto tenho que aguentar uma sensação de preso pra manter algo bom? 

            Desde a época que eu me entendi por gente, eu me sinto preso e em dívida.

 

    Primeiro, por ser irmão mais velho já era dito - você é o mais velho, você tem que olhar seus irmãos! 

Como eu ganhava casa, comida e roupa, na minha cabeça essa era minha parte de contribuir para o "algo bom", de fazer o certo para as coisas de casa irem bem. Eu estudava, tentava de tudo para não errar na frente do meu irmão - e acredite ou não, isso foi uma das coisas que mais pesou pra mim. Não sou muito bom de lembrar uma história de infância - só as mais marcantes - porém as sensações desse período estão no âmago. O fato de eu sair com meu irmão de chaveiro me limitou muito a errar! Eu tava explodindo pra descobrir o mundo, mas eu tinha que "ser o exemplo".

    

             Logo quando eu fui ficando mais rapaz, 15,16 anos, eu mudei de colégio. Não tinha mais familiar na minha cola. O portão era livre, não era o bairro onde eu morava. Ali eu entendi que eu poderia tentar ver quem eu sou, limites, deveres, cagadas. Foi ali que eu conheci o álcool, sexo, maconha.

Fui expulso do museu do Ipiranga porque tava com mais 3 amigos bebendo Natasha com Sprite, lá nas árvores, 10h da manhã. Foi nessa época que eu comprei minha primeira playboy - da Cacau do BBB (muito boa revista, aliás). Foi nessa época que tive vários rolinhos, que eu consegui ir a um cinema com pessoas que gostam da sua companhia mesmo você falando merda.

Todavia foi nessa época que tinha que trabalhar na loja dos meus pais. Um caixa/ajudante geral/faxineiro... o engraçado que eu escutava que essa loja tava sendo preparada para mim. Não ganhava salário. E nem fui consultado se eu queria continuar tocando a loja, e como eu me sentia em dívida, não conseguia falar que não, não conseguia falar nada!

             Hoje eu dou risada que de quem acha que trabalhar com o pai é boiada. Meu amigo, ele fala que você é dono, você não recebe, você entra na hora que abre e sai na hora que fecha, isso se não tiver mais coisa para fazer, e ah... almoçou, volta pra trabalhar.

             Não entenda essa trajetória como se fosse um suplício, com certeza teve momentos bons, histórias legais, mas quando eu paro para lembrar, a sensação de preso e dívida sempre vêm primeiro.

            Penso que um dos meus recursos pra eu poder tentar respirar um ar com meu pulmão foi a mentira. A deliciosa mentira. Sempre do lado do meu ego, da minha certeza, foi ela que me ajudou a proporcionar momentos de vida. Sabe aquele momento de adrenalina que vc escapou por um triz de algo ruim e gera aquela sensação de " uuouu! como é legal estar vivo!". Pra muitas dessas minhas experiências eu tive que usá-la, caso contrário eu estaria trabalhando ou cuidando de alguém.

Um dia vou escrever sobre como a mentira e vício nessa sensação afetou/afeta meus relacionamentos, minha interação com os outros. A única certeza que eu tenho é que um dia vou morrer e todos os dias a sensação de preso toma café comigo às 7h, 14h e meia-noite.


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