A Estudante - Anitta Malfatti , 1915 ou 1916 ou 1918
Dia
desses, li um texto do Rubem Alves, escritor mineiro, chamado “a pipoca” –
aliás, obrigado Nacif, por me apresentá-lo – texto leve, fluído, tem até aquele
exagero quando o autor fala que conhece um cara que é cientista em milho... Afinal de contas, qual
história é boa de contar se a gente não aumentar um ponto? ... No meio do
texto, ele explora o conceito do piruá, de quem eu pego emprestado para esse
texto.
Imagine
que dentro de você está dormindo um eu, um ser fascinante com habilidades, desejos acobertados que não conseguem ser saciados, e pior, que fazemos
questão de deixar eles lá, quietinhos, para não estragar aquilo que achamos o
que somos hoje, aquilo que temos segurança, só por ser um diabo conhecido; aí
temos o piruá. O milho que não estourou, toda a beleza, gostosura e potencial
de pipoca, jogado fora nas cidades ou dado às galinhas no campo.
Penso
como funciona o mecanismo para a gente segurar nossos impulsos, nossas
vontades; e se o que eu desejo fazer for contra a lei? Por exemplo, sou doido para
agredir um colega de trabalho que não trata bem as pessoas, um murrinho só, só pra
descer aquele melado, mas eu não posso, porque senão serei punido com processos
civis, administrativos e possivelmente até penal. Logo, piruá. Mas, e quando eu
reprimo uma declaração de amor? Uma vontade de viver de um jeito, porém sou constantemente
obrigado a trabalhar para viver de outro, senão por livre e espontânea vontade morro
de fome.
Deixo
de pipocar no amor, deixo de pipocar em algo que tenho mais afinidade, para
quê? Para ter um conforto financeiro, no qual não passe necessidade com um
mínimo para se viver, e se nada terrível acontecer, eu possa ajudar minha
família, além de acumular algum patrimônio para que as próximas gerações da
minha linhagem não tenham que passar as barras que eu passo? Então a gente
NASCE, CRESCE, ACUMULA PATRIMÔNIO e MORRE? Não é possível que sejamos uma geração
inteira e gigantesca de piruás, enquanto tem pouca pipoca por aí tomando conta
de tudo.
Ah,
mas eu não acredito nisso aí não. Ok, reflita sobre essa notícia: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/10/30/camara-emneda-para-taxar-grandes-fortunas.htm
---Título: Câmara rejeita taxar fortunas e termina regulação da reforma tributária… notícia de 30 de outubro de 2024, meu piruazinho.
O
legal de pensar como a gente se torna piruá é que pode servir para mecanismos
macros, como um banco que pode tomar sua casa, mas você – indivíduo – não pode
ir tomar uma casa sem dono. Daí, coletivamente, a gente convenciona por você
morar na rua mesmo. No relento. No frio. Na exposição.
Quanto
para mecanismos micros. Lembra daquela vez que sua mãe e/ou pai não deixou você
fazer/vestir/ir em determinada situação porque para eles não era adequado?... Ah,
mas eles só estão tentando me proteger, tentando me educar... Até quanto isso
não foi expectativa ou conveniência deles e para eles? E você, mais uma vez,
piruá.
Quer
um lado bom? De vez em quando, um ou outro piruá estoura. A maioria vai para o
lixo... e é ali que o fogo e o óleo quente deveriam estar.
