Velhas histórias

terça-feira, 2 de julho de 2024

MESTRE NA ARTE DE SOFRER POR ANTECEDÊNCIA

 

                                   "Self-Made man", Bobbie Carlyle


De ontem para hoje, fiz mais um plantão noturno no Regional. O bom e velho das 19h-7h. Esse período da madrugada é um momento incrível, vem desde a moça que bateu o dedinho da mão esquerda há 6 dias querendo atestado porque não consegue trabalhar – mas consegue mexer no celular e arrumar os cabelos - ao cara que tem HIV, parou de usar TARV, bateu a cabeça e tem fibrilação atrial.

Dada essa certeza da incerteza, da apresentação da minha possível ignorância para o que vai se apresentar, eu sofro. Chego a sofrer 2-3 dias antes do plantão. Durmo mal, aumento o número de idas ao banheiro, não aproveito o presente.

 E se, aparecer uma crise convulsiva que eu não consiga reverter? E se, eu não perceber algum dado importante e comer bola, e acabar lascando a saúde dessa pessoa que tá na minha frente? E se, o que eu estudo ou o que eu sou não é o bastante para atuar na área da saúde?

Essas ruminações ficam como um colega chato de trabalho, você só sabe que talvez vai se livrar se você as encarar, for pra cima, arrancar logo o band-aid. Ou quando o relógio marca 7h.

No fundo, eu sei que posso discutir casos, pedir opiniões. Eu entendi que medicina é uma arte coletiva. Contudo, quando você quer construir um nome, e constantemente você é estimulado a ser o “self-made man” acabam gerando conflitos internos nos divertidamentes.

O pior momento de sofrência pra mim, é aquele quando não está tão cedo para ir pro plantão, mas também ainda vai demorar um pouquinho pra se livrar logo da responsabilidade. Vejo minha esposa em casa, quentinha, de pijama, embaixo do cobertor, meus cachorros cobertos, já passeados, e eu me trocando para encarar frio, fome e a minha grande ignorância.

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