Um
dia desses, desses dias muito normais da vida, estava indo com a Pri para a
academia, paramos o carro na rua, quando estava saindo do carro, um homem de
meia idade me chama: “ooo fortão, você pode ajudar a levantar meu pai que caiu
aqui no banheiro de casa?” Tava de regatinha, todo todo, fui lá.
O
cenário: um senhor bem gordo, cerca de uns 120kg, parecia ter engolido uma
melancia, tava caído de bundinha no chão do banheiro e não conseguiu levantar.
Não bateu a cabeça, não sangrou, não tinha desmaiado primeiro nem nada;
simplesmente tomou todas para comemorar que era terça-feira, escorregou, caiu
de bunda e não levantou mais.
O
filho dele tava putasso porque desde que o pai se aposentou começou a comemorar
todos os dias da semana... 1,2,3..9-12 latinhas de cerveja por dia. Tinham uma
casa bonita, boa localização, por dentro a típica casa de veio... crochê em
todos os lugares, mil enfeites, quadro do jesus e dos netos pela casa toda,
além de aquecedores em todos os cômodos – segundo eles.
Na
hora de tentar levantar o velho, ele não firmava, escorregava igual um saco de
cocô, não tinha como segurar... o velho sofria porque o filho dele e eu ficávamos
tentando levantá-lo de algum jeito, mas não tinha posição. Enquanto isso, uma
vizinha velha e a dona da casa ficavam toda hora falando que o velho tinha que
parar de beber. A Pri ficou na porta do lado de fora com uma outra vizinha
velha que foi lá meter do ganso, essa vizinha ficava fazendo sinal com a
mãozinha explicando que o velho só caiu pq ó! (sinal de tomar uma com o polegar).
Depois
de várias tentativas frustradas, se invocamos, pegamos o velho igual no balança
caixão e arrastamos ele até o quarto. O velho parecia um peixe-boi, não dava para
levantar.
Tentamos
de um lado, tentamos de outros, e mesmo com o velho escorado na cama não
firmava o pé no chão de jeito nenhum. Daí propus a tática do lençol: deita o
veio no chão, vira ele de lado, põe o lençol da cama em baixo, roda o veio e
passa o lençol. Vamos tentar pescar esse veio. Rolar ele pra lá e pra cá deu
certo, mas quem disse que a gente tinha força pra tirar ele do chão e jogar na
cama? A nossa sorte que um outro filho do velho chegou, e esse tava seguindo os
passos do veio porque parecia que ela já tinha engolido um melão, mas compensava
porque era um cara altão. Nós três pegamos o veio, na raça, no jogo de time, não
tinha mais posição, minha lombar já tinha ido pro saco, mas a honra ainda tava
em jogo. Conseguimos levantar o veio e colocá-lo na cama todo torto. Depois foi
uma segunda luta pra posicionar ele direito na cama. Quando ele ficou finalmente
certinho, ele xingou o primeiro filho. Saímos de lá os três suados. Conversei um
pouquinho com eles, falei para tranquilizar, pedi para observar, e, se depois ele reclamasse
de alguma dor ou alguma coisa poderia levar ele no Regional e tals. Daí acabei
falando que trabalho de médico lá, ficaram mais tranquilo e toda aquela
novelinha que quem é médico tá acostumado.
De
toda essa história uma coisa me incomodou profundamente, inclusive até me levou
a fazer esse texto: na hora de sair da casa deles e se despedir, o filho que
chegou depois me perguntou quanto ele precisava acertar comigo por ter ajudado
a levantar o pai e ter dado as orientações sobre saúde.
Cara...
ele queria me pagar... na hora eu falei, pelo amor de deus cara, a gente é
gente, não precisa de nada não... que mundo é esse que você tem por dinheiro em
tudo... a gente ainda é gente. Ele agradeceu, o outro irmão agradeceu, se despedimos
e fui treinar.
Entendi a boa vontade dele. Todavia fiquei indignado como esse tentáculo de comercialização da vida atinge praticamente todos os aspectos.
Da
mesma forma que uma mãe não cobra pelo abraço de um filho, a situação posta de
ajudar um semelhante, não passou na minha cabeça em nenhum instante a ideia de
dinheiro – na verdade só passava: pqp minha lombar-. E não confundir, por
gentileza, o ser médico é uma profissão, a conta de luz e do mercado não aceitam
muito obrigado que deus te abençoe como forma de pagamento no boleto. Naquele
momento era só um cara na rua que quebrou um galho para um desconhecido.
Gosto
muito do trecho do filme clube da luta: você não é seu emprego. Nem quanto
ganha ou quanto dinheiro tem no banco [...] nós não somos especiais.
E
ao mesmo tempo acho que somos especiais como sociedade e não especiais como
indivíduo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário